domingo, 4 de dezembro de 2016

O JULGAMENTO DE JANJÃO - II

 "Quais são as chances de eu ser absolvido?", perguntou Janjão, manifestando preocupação com seu destino.

 "Vai depender da gravidade de tuas faltas e dos atos de bondade que praticaste em tua vida terrena. Também dependes da disposição de alguns santos que compõem a Corte. Ela vai designar um defensor, entre eles, para servir de teu advogado. A Corte tem um presidente designado a cada dez séculos. Estás com sorte porque o atual presidente é São Francisco, que é reconhecido por ser muito complacente com os pecadores e ele tem poder de voto de minerva no caso de haver empate. Além do que, um presidente sempre tem maiores poderes do que os outros membros e influi muito nas decisões".

 "E se for condenado, posso recorrer?. A quem?".

 "Poder, pode. Deus é a última instância. Mas até hoje não houve nenhum caso em que a nossa Alta Corte fosse contrariada. Todas suas decisões têm sido homologadas pelo Criador".

 "Quanto tempo vou esperar para ter uma resposta?".

 "Tempo? Isso não existe aqui. Aliás é parecido com o que acontece lá no teu País. Não há prazo para as decisões. Aqui o tempo não conta tempo".

 Janjão não queria perder a oportunidade, mas achava que já estava incomodando São Pedro com suas questões. "Quais são os atos mais graves que podem dar em condenação?", perguntou, pensando, agora, em algumas faltas que havia praticado em vida. "Existem atenuantes?".

 A nossa Corte formou jurisprudência em julgar as intenções. Tudo depende da intenção com que uma boa ou má ação seja praticada. Assim, se alguém pratica uma ação com intenção de fazer o bem ela é contada como positiva, mesmo que o resultado não seja alguma coisa boa".

 "Não posso alegar em meu favor o que as pessoas diziam de mim?"

 "Nem a favor, nem contra. Aqui não vale a teoria do domínio do fato. As mentiras e as verdades são conhecidas igualmente. O que vale aqui é o domínio da intenção. Apesar de que...".

 "Eu errei muitas vezes, mas sempre com boas intenções. Isso vai valer, então?".

 São Pedro pensou um pouco, acariciando a longa barba com a mão esquerda e respondeu: "Na verdade, o que está acontecendo é que os processos estão trancados porque em um julgamento de um ex-membro do STF brasileiro, que morreu há algum tempo, ele propôs uma nova interpretação para o caso de que uma intenção má tenha produzido um resultado bom. Ele defende que isso seja igualmente positivo. Nunca havia acontecido uma contestação aqui e a Corte ainda não conseguiu deliberar sobre a questão. Assim, está tudo parado até que se consiga resolver o embrulho".

 "São Pedro, eu..."

 São Pedro fez-lhe um sinal de que a entrevista havia acabado, dizendo-lhe "Na fila atrás de  ti há dez mil almas querendo respostas para suas dúvidas. Volta depois para conversarmos com mais calma. O seguinte, por favor", falou, encerrando o assunto com Janjão.

 Janjão se afastou pensativo e procurou alguém com quem conversar quem sabe pelos dez séculos seguintes.

(Porto Alegre, dezembro/2016)

Um comentário:

  1. Vá se queixar ao bispo
    – e assim se vai empurrando com a barriga
    decisões que seriam inadiáveis
    até serem arquivadas por decurso de prazo...

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