sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O JULGAMENTO DE JANJÃO - I

  Janjão havia morrido. Sempre vivera acertado com a vida e praticava o bem segundo os mandamentos do Senhor, transmitidos pelas igrejas que haviam se encarregado dessa tarefa. Esperava, portanto, ser recompensado na vida eterna, indo para o proclamado céu onde esperava desfrutar das delícias reservadas aos homens de bem.

 Sua alma foi transportada para um local de rara beleza lotado de outras almas, iguais a dele, que transitavam por ali em animado colóquio.

 Ele ficou, ao mesmo tempo, perplexo e curioso. Onde estaria? Aquilo seria o céu ou o inferno? Para ser o primeiro estava muito chocho. Não era o que lhe haviam descrito os entendidos em religião. Para ser o segundo, estava muita moleza. Então? Ele observou que aqueles espectros não ocupavam lugar. Muitas vezes alguém passou através dele para dirigir-se a um lugar. Ele pensou lugar, mas ficou em dúvida pois ali o que não havia era lugar no conceito terráqueo.

 Resolveu, então, interpelar algum de seus companheiros. "Onde posso falar com o responsável por este lugar?", perguntou a uma alma de porte pequeno que passava por ali. "Você procura por São Pedro?", devolveu a pergunta. "Bom, se ele é o responsável, sim". "Vire a sua esquerda e encontrará uma fila de pessoas com as mesmas intenções", respondeu-lhe e continuou a sua caminhada.

 Realmente, no local indicado havia uma longa fila. Digamos de umas 10.000 almas, olhando assim por cima. "Quando vou ser atendido com uma fila maior do que a do SUS lá na Terra?", pensou. Resolveu entrar nela e perguntou para a alma que estava na sua frente: "Quanto tempo acha que demora para chegar a nossa vez?". O perguntado olhou para ele e respondeu com ar de galhofa: "Tempo? Como assim? Isso não existe aqui", e voltou a sua conversa com a alma a sua frente.

 De fato. Assim como chegou ali, foi a sua vez de ser atendido. A pessoa - era pessoa? - que se encontrava ali representada pelo que lhe pareceu um senhor sério de longas barbas com um olhar bondoso, parecido com o que era retratado com uma chave na mão em algumas casas lá na Terra. Imaginou que seria São Pedro, mas não sabia como dirigir-se a ele. Tentou o jeito respeitoso com que se tratam os políticos ainda hoje lá embaixo. "Vossa Excelência poderia me responder onde me encontro?" O Santo o olhou com o perfil de quem pensa: Esta já é a quaquilhonésima vez que respondo esta pergunta hoje. Mais uma não vai fazer diferença.

 Respondeu, então, com uma expressão paternal: "Filho, tu estás na Suprema Corte da Eternidade. Pela tua vida reta e pelas poucas falhas que cometeste na Terra tiveste direito a um julgamento..." Ele se apressou a dizer: "Posso ser absolvido ou condenado, então? Por quem vou ser julgado?". São Pedro respondeu: "Podes ser absolvido ou condenado. Vais ser julgado por uma Corte designada por Deus a cada dez séculos, composta de treze santos que julga os humanos que cometem faltas na Terra passíveis de serem perdoadas pelo Criador".   (continua)

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

À MODA ANTIGA

 Retornando às atividades, depois de um intervalo ocioso e para começar bem o mês de novembro, vai um soneto à moda antiga, daqueles que os namorados colocavam no "álbum das amadas" para serem lembrados "para sempre".

A VOLTA

Corri abrir a porta. Ela voltou.
Entrou em nossa sala de repente
e, sem mesmo dizer por onde andou,
olhou tudo de maneira diferente.

Trouxe um vestido branco e feio,
e a mesma mala antiga, com defeito.
Até um livro chato que nem leio
e o sorriso aquele do seu jeito.

Tendo tudo ao seu normal voltado,
cada coisa em seu lugar e eu sigo
não querendo saber do seu passado

Ela volta assim para seu meio
trazendo a alegria que levou consigo
mas sinto que sua alma`inda não veio.

Wenceslau Gonçalves
agosto/2016