terça-feira, 13 de outubro de 2015

MICROCONTOS DE HUMOR DE PIRACICABA

 No mês de agosto último, como tem ocorrido anualmente, realizou-se o 5. Concurso de Microcontos de Humor de Piracicaba (SP) paralelo ao 42. Salão Internacional de Humor de Piracicaba. O evento, em sua quinta edição teve a participação de 274 textos oriundos de 22 estados brasileiros, além de Japão e Portugal. Do total, foram selecionados 100 textos, para publicação, incluindo-se, entre eles, a classificação e premiação até terceiro lugar.

 Já havíamos participado da edição de 2013, por sugestão do nosso amigo e conterrâneo José Alberto de Souza, - o "poeta das águas doces" - sendo que, desta vez, fomos incluídos entre os cem participantes que tiveram seu texto publicado. Os contos têm como condição não excederem 140 caracteres. Para que os leitores tenham uma ideia dos trabalhos concorrentes, estamos publicando os três classificados e o texto de nossa autoria com o qual concorremos.

PRIMEIRO LUGAR
Singularizar
Em um dia lúgubre, sujeito, verbo e predicado participam de uma triste oração na Igreja. Motivo? Morreu os plural. Todos chora.
Gabriela Peres Gomes/Sorocaba, SP.

SEGUNDO LUGAR
Mulher de palavra
Ela jurou na frente do Padre Miguel me amar "até que a morte nos separe" e me largou assim que o Padre morreu.
Horácio Daniel Sequeira/Ilhéus, BA

TERCEIRO LUGAR
Reunião pré-dilúvio
- Só entrará na arca de Noé que tiver a boca pequena - afirmou o rei leão..
- Coitadinho do sapo - disse o jacaré.
Amadeu Bispo de Oliveira/Diadema, SP

TEXTO DE NOSSA AUTORIA
Tino
Ele tinha tino para negócios. Herdou loja defronte a dois asilos. Logo colocou cartaz: "Alugo dentaduras para festas. Preços módicos".
Wenceslau Gonçalves/Porto Alegre, RS


 

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

UM SABIÁ NO ASFALTO

  Ainda é madrugada na capital dos gaúchos. Reina um relativo silêncio no centro histórico que habito e onde, agora, tento completar meu período de repouso. De repente, assim como num passe de mágica, uma parte da natureza se rebela com os monstros de  ferro e cimento que povoam esta nesga de terra cultuada por nossos ancestrais outrora coberta apenas de densa vegetação nativa. Uma manifestação melodiosa de um anônimo sabiá invade os apartamentos, atravessando as vidraças, vindo de algum lugar lá embaixo, onde a vista não alcança.

 Na cidade, a vida quotidiana recém começa a estabelecer suas primeiras rotinas. Os cidadãos do bem recém despertaram; os do mal talvez ainda nem tenham repousado. A vida urbana retorna ao mesmo ciclo que encerrou ontem à noite.

 Aqui, na semi-escuridão quase silenciosa de meu quarto, sou capaz de voltar no tempo revendo seus iguais que saltitavam libertos e felizes, exibindo o garbo matreiro próprio da espécie nos caminhos forrados de grama em busca de sua ração diária.

 O que ouço são apenas algumas notas musicais. Por enquanto há somente a solidão da noite que se esvai em busca de sol. É apenas um pássaro quase comum das poucas matas que ainda nos restam, mas reparem no significado deste som para um urbano limitado em uma grande caixa de concreto junto a tantas outras também encurraladas por impedimentos que eles mesmos criaram para si. É apenas um sabiá que, sem se personificar, apenas se anuncia pelo que tem de mais belo em seu viver: seu canto mavioso e envolvente, consolador e plangente, que acaba ferindo o sentimento de quem o escuta com atenção. Não há como não reparar.

 As árvores são tão poucas por aqui, que me é mais fácil imaginá-lo pousado em um contêiner ou talvez na carcaça de um automóvel abandonado em uma viela qualquer das proximidades. Ou - quem sabe? – em uma daquelas résteas de praça espremidas entre  gigantes de circulação que, de um momento para outro, fica lotada de pequenos monstrinhos barulhentos e bebedores de combustível que emporcalham o ar que precisamos para respirar.

 A natureza se rebela em parte porque estamos acabando com os poros da terra. Acho que o homem também vai acabar se transformando também em um ser sem poros, como tem desenvolvido seus agrupamentos urbanos. Com uma alma sem poros, não há também sentimentos e passam a ocorrer episódios não só como aqueles que resultaram  na morte de um menino – tão anunciada pela mídia - mas muitos mais que são sacrificados diariamente pela cobiça e a vaidade de alguns poucos que conseguem transformar o mundo em um lugar impróprio para a beleza e a vida.

 Voltando ao sabiá depois das digressões. Encerro sem conseguir desfazer uma dúvida atroz que permeia minha exposição.   O sabiá do asfalto saltitará livre em busca de uma companheira a quem dedicará seu canto maravilhoso? Ou estará enjaulado, vítima de algum sádico que se deleita vendo seu lamento através das grades? Confesso que não sei. Vou continuar buscando localizar o meu despertador melódico. Espero que a resposta seja a melhor para o caso. Afinal, o dia já está quase começando novamente e, provavelmente, vou esquecer-me dele, envolvido que vou estar com outras questões que
podem não ter a mesma importância do que valorizar pequenas coisas, como esta. Só espero que ele, mesmo sem saber, volte a trazer-me mais alguns momentos de encanto como os desta madrugada.


Wenceslau Gonçalves
Porto Alegre, set. 2015



terça-feira, 1 de setembro de 2015

THEATRO ESPERANÇA

 Uma das obras de Jaguarão que apresenta aos conterrâneos a maior expectativa de que seja concluída é a restauração do Theatro Esperança. O Esperança pode ser considerado uma das construções simbólicas da cidade. É, por certo, também, uma das mais belas e representativas de uma época áurea no setor cultural de Jaguarão. Em recente retorno à Cidade, tomei conhecimento que a previsão - esperamos que se realize - é a de que o teatro seja aberto ao público em outubro próximo. Para os que ainda não tiveram a oportunidade de ver o trabalho de mestre que vem sendo realizado ali, transpusemos algumas imagens de uma página da Marsou Engenharia (   http://marsou.com.br/portfolio/teatro-esperanca-de-jaguarao-rs-2/#   ), que é a empresa encarregada da restauração do nosso teatro.











sexta-feira, 14 de agosto de 2015

A PROPÓSITO DE RECEITAS


 Sem medo de errar podemos dizer que, em relação a crises,  todas elas acabam se tornando sócio-econômicas, tendo em vista o grau de entrelaçamento que esses setores  costumam apresentar. A de agora, mesmo em termos internacionais, não é diferente. Onde começa um problema econômico e quando passa a confundir-se com a questão política é uma coisa muito difícil de definir, se é que se consegue. As decisões a serem tomadas para enfrentar-se uma crise econômica são, obrigatoriamente, políticas. A simplicidade de que possa ser tomada esta ou aquela medida para sanar-se um problema apresentado como econômico é, geralmente, turbada por conseqüências relacionadas à questão política. Exemplos existem aos milhares. Basta examinarmos os jornais do dia, que estão repletos deles.

 Reduzindo a questão ao cenário brasileiro, tanto no âmbito federal quanto no estadual, podemos enquadrá-lo no que acabamos de comentar no parágrafo anterior. Temos ouvido diversas declarações de lideranças, tanto políticas quanto empresariais ou mesmo de segmentos de categorias de trabalhadores, e todos têm apontado soluções que, a primeira vista, podem parecer tão óbvias quanto pueris. Algumas completamente inseridas no terreno da utopia, quanto outras que podem ser incluídas na categoria de impossíveis, dado o número de “se” (condicional) que apresentam e dos quais dependeriam para que fossem minimamente viáveis.

 Não sou especialista na matéria, mas considero que algumas providências poderiam ser tomadas que, certamente, carreariam considerável valor monetário às combalidas finanças dos entes financeiros do Estado (sentido amplo). O leitor pode pensar que caí em minha própria armadilha. Em que classificação estariam enquadradas minhas sugestões, que passarei a definir? Modestamente, reconheço que as incluiria entre as que dependem apenas do “se” houver vontade política do Governo, obviamente seguida, também, da vontade política do Congresso Nacional. A meu favor, reconheço que existe um “clima favorável” dada as circunstâncias pelas quais estamos atravessando.

 Vejamos, então, algumas sugestões para apreciação e debate daqueles que têm a paciência de acompanhar-me até aqui, que poderiam contribuir para uma sensível melhoria das finanças públicas do País.

  1 – Por que, até hoje, não foram legalizados os chamados jogos de azar que, em alguns casos, é a principal fonte de receita de alguns países, além de concorrerem para o desenvolvimento do turismo regional e a ampliação do mercado de trabalho? Alguém já calculou quanto o País perde por ano por não explorar essa fonte de divisas? Haverá alguma coisa que não conhecemos que determina que existam vários projetos que simplesmente se encontram engavetados no Congresso Nacional? 

 2 – Imposto sobre Grandes Fortunas. Está questão só é polêmica porque implica onerar uma pequeníssima parcela da população que detém ou domina a maior parte da renda nacional, encastelada em seus privilégios, que se negam a dar sua contribuição para solucionar a questão. Também sobre o tema já existe um (ou mais) projetos trancados no Parlamento por óbvios interesses daqueles que têm poder de decidir sobre a vontade política de grande parte de nossos representantes em Brasília.

 3 – Contribuição sobre Movimentação Financeira. Este imposto - talvez o mais justo que foi instituído até hoje no Brasil - carrega uma pecha, erradamente, de ser um tributo que prejudica toda a população. Isto é o que foi inventado para a elite justificar sua extinção, com o apoio de um grupo de parlamentares que também se sentia prejudicado pela sua existência. Nada mais mentiroso. A CPMF  só era aplicada a partir de um determinado valor, mas servia sim, para que fosse exercido um controle sobre valores que não passavam pelo crivo da Receita Federal. Isto significa que servia para “dedurar” a circulação de grandes capitais – legais ou não - que não pagavam o tributo devido.  Era, também, uma forma exitosa de reprimir a chamada “lavagem de dinheiro”, que tanto mal causa à população. Por isso foi suprimido. A alíquota relativamente baixa - se não me falha a memória, de 0,038% – era o suficiente para produzir  uma arrecadação de 20 bilhões de reais/ano que foram suprimidos da receita do País e servia para minimizar a estúpida má distribuição contributiva mantida no Brasil através de um sistema onde quem menos ganha é quem mais contribui.

 Wenceslau Gonçalves
 Porto Alegre, agosto/2015

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

FAMÍLIA ALFABETA


 Temos a satisfação de apresentar aos nossos distintos leitores a chegada da Família Alfabeta. A partir de hoje ela estará, periodicamente, nos trazendo suas observações sobre os mais diferentes assuntos que a mídia nos apresenta. Como em qualquer outro espaço de nosso blogue, ela também estará sempre aberta aos interessados em co-participarem com seus comentários. Esperamos, com esta providência, oferecer mais uma motivação para continuarmos contando com a honrosa participação de nossos seguidores e leitores. Somos gratos.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

E A ZELOTES POR ONDE ANDA?


 Será que os leitores ainda lembram que foi deflagrada, em março deste ano, pela Polícia Federal uma determinada operação  denominada “Zelotes”, que havia detectado uma movimentação bilionária fraudulenta envolvendo um determinado grupo de empresas (inclusive algumas de nosso Estado) dirigidas por uma elite do empresariado nacional? E não estamos falando aqui em participação de políticos na mencionada falcatrua, o que não seria nenhuma novidade, mas o estranho neste caso é que a “grande mídia” simplesmente faz apenas pequenas menções em espaços pouco visíveis sem as tradicionais manchetes atribuídas a outras operações que permeiam os noticiários da imprensa escrita, falada e televisionada. Certamente  não é porque o valor financeiro da fraude não seja significativo pois, segundo as primeiras investigações da Zelotes, os prejuízos para o erário público podem chegar a 90 bilhões de reais, isto é, várias vezes o valor que se atribui à fraude que envolve, por exemplo, diretores da Petrobrás e políticos de vários partidos à qual os mesmos meios de comunicação destacam diariamente à exaustão.

 O escândalo da Zelotes é uma investigação envolvendo apreciações realizadas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) que tem a competência de julgar, em grau de recurso, questões que envolvem multas aplicada a empresas por descumprimento de normas legais diversas. A principal suspeita é a de que as empresas tenham pago propina para que fossem manipulados resultados de julgamentos na Receita Federal. O Conselho é composto de 216 fiscais, sendo 113 representantes da própria Receita e 113 da sociedade civil e os processos são examinados através de dezesseis câmaras. Quando a questão chega a esse nível a União não tem mais para quem reclamar, tendo que submeter-se a essa decisão final.

 Segundo declarações de um dirigente da Associação dos Fiscais da Receita Federal já existe um precedente nesta área. Em 2005, foi encetada a Operação Anfíbio, tendo sido detectada a participação de auditores em questões fraudulentas das quais participavam várias empresas e pessoas físicas, entre elas a montadora FIAT e um ex-candidato à presidência. O montante sonegado atingia 50 bilhões.

 Segundo manifestação de um Delegado Federal, na Operação Zelotes, a Polícia , com sua atuação, conseguiu detectar, inicialmente, em setenta e quatro julgados, quinze empresas envolvidas, chegando-se a uma sonegação de quase cinco bilhões em investigações que atingiram vinte bilhões de reais. Excetuando-se os casos fraudulentos, a Receita Federal tem vencido 95% dos casos submetidos ao CARF, numa óbvia demonstração de que, na sua maioria absoluta, as questões que chegam para decisão do Conselho dão razão à União.

 Pude constatar que, neste período que vai da anunciada Operação Zelotes até esta data, uma empresa de comunicação do Estado “mencionou-se” em duas oportunidades entre as investigadas na Operação sem qualquer comentário sobre culpa ou inocência em relação à dívida de 150 milhões de reais que acabaram transformando-se em 15 milhões depois da “maquiagem” possibilitada pelas manobras com participação de membros daquele Conselho e empresas especializadas em fraudar o Fisco. Uma das matérias mencionava que o valor relacionado a uma outra empresa gaúcha atingia a mega importância de um bilhão de reais sonegados.

 Embora o Ministério Público tenha solicitado buscas, apreensões e até prisões dos investigados, elas foram negadas pela Juíza que cuida da questão.

 A nossa estranheza é sobre o aparente desinteresse da grande mídia em uma questão que, como se pode observar, é muito mais prejudicial para o País em termos de valores envolvidos. Aliás, de um modo geral os meios de comunicação tem-se preocupado muito em alardear o impostômetro (registro dos impostos pagos), sem fazer menção ao sonegômetro (registro dos impostos sonegados) que, somente neste ano de 2015, até o mês de junho, já atingiu 200 bilhões de reais, o que corresponde a mais de duas vezes o que poderá ser economizado com o reajuste fiscal planejado pelo Governo Federal com o que pretende contribuir para debelar a crise financeira em que o País se encontra.

 Em relação à grande mídia (conhecida por PIG), é interessante ver como torcem contra o Brasil. Recentemente, em uma rádio local, tive oportunidade de escutar do âncora, que estava para entrevistar um especialista sobre a situação econômica: “Quando o senhor acha que o Brasil vai-se tornar uma Grécia?”. Assim, com todas as letras. Conclusão minha: isso não é ser contra um governo (o que é legítimo); é ser contra o País!


 Com a Operação Zelotes constata-se que, assim como temos políticos desonestos no Brasil, também há empresários desonestos, que surrupiam o dinheiro que o contribuinte paga junto com o preço da mercadoria ou serviço que adquire. A se confirmar mais esse crime financeiro, quem sabe uma empresa bem conhecida de todos os gaúchos passe a chamar-se “RBZ”...

terça-feira, 16 de junho de 2015

O MONÓLOGO DA ÁRVORE


(Quando estive em Jaguarão, no início de março, tomei conhecimento da mutilação de árvores que está ocorrendo na cidade. Aliás, um mau hábito que ocorre também em outros municípios com igual prejuízo para a natureza. Coloquei-me no lugar de um desses vegetais e imaginei o que ele poderia estar pensando. A seguir, o resultado da minha intuição).

 “Primeiro eles cuidaram da minha semente. Fizeram-me nascer; acalentaram meu crescimento com a energia e a água que necessitei para meus primeiros anos de vida. Aos poucos, fui-me transformando, dispensando maiores cuidados dos homens porque a própria natureza que me idealizou providenciava tudo: a chuva que matava minha sede e molhava a terra em meu redor, e o sol que alimentava os microorganismos para que eles pudessem prosperar e contribuir para que eu pudesse festejar a magia da criação.

 A vida em mim vicejava com perfeição. Comecei a tornar-me adulta e a receber, então, os primeiros ninhos de alguns pássaros que foram os primeiros a descobrir que meus galhos já eram suficientes para sustentá-los. Contribui, então, para que eles também multiplicassem a vida animal para complementar a alegria dos homens. Antes disso, é claro, foi aqui, também, que os machos exibiram suas plumas e trinados, querendo impressionar suas conquistas para o acasalamento, visando prolongar a vida. Também alguns homens, cansados da dura lida diária, usaram a minha sombra, em merecido lazer. Muitos dele suados, pelo trabalho pesado em busca de sustento, receberam o frescor de minhas folhas para revigorarem suas forças e prosseguirem em sua jornada. As minhas flores poderiam não ser as mais belas, mas contribuíram também para a propagação não apenas da minha espécie como, também, para alimentar muitos insetos que partilham do equilíbrio que sustenta o sistema e possibilita a vida no planeta.

 Isso tudo foi até ontem. Hoje, alguém chegou comandando outros humanos e, com grande barulho de máquinas destruidoras foram, simplesmente, ceifando meu caule, meu tronco, meus galhos. Ainda pude ver meus pedaços levantando poeira ao encontrarem a terra. Parte de minha vida se estiolando a céu aberto sem merecer a menor compaixão. Sei que o destino natural da árvore é servir para alguma finalidade e para isso são abatidas. Algumas se destinam a transformar-se em papel, que vai transmitir a cultura; outras servirão de abrigo ou irão aquecer corpos necessitados de calor. Outras, ainda, serão barco, que permitirá ao pescador alimentar sua família. Não é contra isso que me estou rebelando. Não consigo entender porque os homens que estiveram aqui não me abateram; apenas me mutilaram. Tiraram-me os galhos e parte do tronco. Derrubaram minhas folhas e minhas flores pelo chão. Agora não posso mais abrigar pássaros; não posso oferecer sombra aos viajantes; não tenho mais seiva para as abelhas fazerem seu mel. A partir daqui, vou ter que recomeçar minha vida que agora se apequena pela transgressão humana.

 Eles não me tiraram a vida para que eu não pudesse cumprir uma de minhas finalidades. Fizeram comigo o que de pior se pode também fazer a outros homens: tentam tirar-me a finalidade para a qual existo.”


(Publicado no Jornal Fronteira Meridional/Jaguarão – 18.06.15)



terça-feira, 9 de junho de 2015

MARTIM CÉSAR LANÇA MAIS UM CD


 No próximo dia 26 (sexta-feira), em Porto Alegre, nosso conterrâneo Martim César Gonçalves estará fazendo o lançamento de mais um trabalho.

 Desta vez, o premiado compositor, estará apresentando seu CD denominado Náufragos Urbanos, em autoria conjunta com Ro Bjernc e Ricardo Fragoso, com participação especial de Marco Aurélio Vasconcellos e Paulo Timm.

 O evento ocorre na Livraria Cultura de Porto Alegre, localizada no "Shopping Bourbon Country", com início às 20h.

 A Colônia Jaguarense, da Capital, pode programar seu encontro com os conterrâneos que lá estarão prestigiando o ato promovido pelo talentoso e conhecido autor Martim César.

 Participe! Divulgue entre seus amigos!

quarta-feira, 27 de maio de 2015

CRIANÇA A(R)MADA


Braço de criança
não é para segurar a morte.
Mão de criança
não é para apertar gatilhos.

A emoção que aciona
o coração da criança
tem que ser somente
a do amor
ou da ternura.
Não pode ser a do ódio
dos que inventam a guerra.

Elas não podem
ser testemunhas
do terror que os adultos
disseminam em campos de morte.

Essas guerras não são delas.
Elas não têm conta bancária.
Não têm ações em bolsa.
Não se reúnem em Davos,
nem possuem telefones vermelhos.
Elas não têm controle acionário
de fábricas de armas.
Não assinam falsos tratados
garantidos por poços de petróleo
e nem sabem apertar botões
que podem destruir seis mundos.

Elas ainda não aprenderam a odiar.

(Wenceslau Gonçalves, maio/2015)

terça-feira, 5 de maio de 2015

"MAIORIDADE MENTAL'


 O tema é recorrente. O próprio fato de que o projeto que trata da mudança da maioridade penal (para 16 anos, neste caso), recentemente aprovado na Câmara Federal, teve sua origem há alguns anos. O que, ao retornar à Pauta agora, demonstra que houve, também, intencionalidade em aproveitar um momento de confusão no País para decidir sobre um tema de tal importância dada suas implicações legais e, sobretudo, sociais. O projeto “repousava placidamente” há mais de dez anos nas gavetas indecifráveis de nossa principal Casa Legislativa. De repente, sem mais aquela, Suas Excelências decidem que é a hora de aprovar a matéria. Reúnem-se as “Bancadas BBB” como são agora chamados os grupos que aglutinam parlamentares da “bala”, da “bíblia” e do “boi” e, mais como um revide ao Executivo, pelos já conhecidos desentendimentos e conveniências, conseguem cooptar número suficiente para aprovar a proposição.

 Longe de querer discutir qualquer cunho de constitucionalidade, ou não, da matéria sobre o que existem algumas discordâncias entre os doutos da área. Não temos nenhum tipo de competência para discutir o assunto. Nosso questionamento é puramente sob o enfoque social com suas prováveis desastradas conseqüências. Todos estão cientes da questão da marginalidade na qual foram incluídas por nós milhares (ou milhões?) de crianças. Há muito isso está a exigir uma providência institucional séria e imediata – que nunca surge -, mas, certamente, nenhuma delas passa por aumentar o número daqueles que são diariamente formados ou aperfeiçoados em nossas “universidades” do crime, que são as masmorras medievais que pululam pelo País. Alguém tem dúvida de que – com as condições dos presídios que temos - as penas impostas aos que cometeram crimes só contribuem para torná-los piores do que antes de praticarem os delitos?

 Na questão prática, cabe perguntar: onde pretendem colocar esses jovens se já não há lugar para adultos, considerando que há milhares de mandatos que não podem ser cumpridos por falta de espaço nas cadeias já superlotadas?

 Estamos querendo diminuir as conseqüências do avanço da criminalidade, através de medidas paliativas que servirão, apenas, para dar uma resposta à opinião pública formada por uma mídia falsa e inconseqüente que atribui a culpa apenas aos jovens infratores?

 O que se pode esperar com a diminuição da maioridade penal para 16 anos é que os malfeitores passarão a recrutar, para seu serviço, os menores que ainda não atingiram essa idade. Parece-me uma obviedade. E se isso ocorrer, teremos que ir, gradativamente, diminuindo a idade penal até chegarmos a ter que instituir “jardins de infância correcionais”. Pelo jeito, isso seria um êxtase para alguns que, apenas, conseguem enxergar as conseqüências sem assumirem a responsabilidade pelas causas, que são de todos os que compõem uma sociedade que admite que ocorram as desigualdades que, em sua maioria, conduzem a situação que jogam as crianças nos caminhos anti-sociais que conhecemos.

 Para quem cultua números, lembro alguns em relação ao tema em debate. Temos, hoje, no Brasil 26 milhões de adolescentes. Desses, apenas 0,08% estão privados da liberdade por delitos cometidos. Entre esses, 63% foram detidos por roubo ou por associação com


tráfico de drogas. Por tentativa de homicídio e outros crimes o número cai para 0,0l% do total dos adolescentes do País. Será que essa incidência é fator suficiente para produzir uma medida que vai gerar efeitos definitivos sobre um número tão grande de jovens?

 Cabem, ainda, outros questionamentos: essa mudança implicará a possibilidade de que as crianças de apenas 16 anos possam, também, obter carteira de motorista e, pior, poderão, livremente, consumir bebida alcoólica? Ou serão maiores apenas para serem jogados em celas imundas para aprenderem a desempenhar uma atividade criminosa com maior perfeição?

 E o Estatuto da Criança e do Adolescente, cantado em prosa e verso, já não prevê penas suficientes adaptadas à faixa etária de cada infrator, com suas conseqüências devidamente previstas na forma legal? A resposta deixo para os doutos na matéria.

 Voltando ao título, resumo o que penso (desculpem a radicalidade): precisamos urgentemente é de um projeto que institua uma “maioridade mental” para aqueles adultos que continuam querendo acabar com as más conseqüências ignorando – por conveniência e vontade própria - as causas que as originam.



Porto Alegre, abril/2015

quinta-feira, 16 de abril de 2015

GALEANO - 1940-2015


 Não há como deixar de registrar o fato ocorrido neste abril de 2015. Galeano escrevia com a alma nas mãos e conseguia expressar o sentimento principalmente dos espoliados de Latino-America. A vasta obra que nos legou representa o grito dos oprimidos e das legiões de esquecidos sociais que transitam nos distintos territórios, em condições que os igualam na desigualdade.

 Ele conseguiu, como poucos, e de forma aprimorada pela beleza de seus textos, expressar  anseios e aspirações das comunidades das quais falava.
Traduzia, sobretudo, em linguagem simbólica, a dureza e o padecimento dos mais simples sem esquecer, no entanto, a fantasia que transforma as realidades dos heróis do quotidiano em quimeras dignas de figurarem em antologias.

 De tudo o que escreveu é difícil destacar o que pode ser considerado mais representativo de sua obra. Se pensarmos na mais conhecida certamente surgirá “As Veias Abertas da América Latina”, mas ele próprio considerou que ela, hoje, já não teria a mesma representatividade da época em que foi escrita. Outras tantas vieram e igualmente impressionaram pela atualidade com que se apresentaram. Pessoalmente, também não saberia dizer a que mais me impressionou daquilo que já li. Assim que soube de sua morte, ocorreu-me de ler algo como minha homenagem a sua sabedoria: fui reler uma de suas menores obras – em termos de páginas, obviamente: “Vagamundo”. Uma coletânea de pequenas histórias avulsas repletas de humanidade e encantamento com situações descritas com especial sensibilidade que somente Galeano podia dispor. Dou uma provinha para quem não conhece a obra: “...Agora penso na planta e não sei o que terá sido dela. Deve ter continuado a crescer, em algum lugar. Uma vez voltei para buscá-la, mas não a encontrei. Eu tinha entendido tudo o que ele me dissera. Mas não sei de depois ele foi um flamboyant, que tem essas flores que se incendeiam. Ou um cupey, que tem folhas para mandar recados, que a gente escreve com um pauzinho e não se apagam. Ou um guásimo, dessas que são boas para dar sombra e para enforcar”. (in O esperado – Vagamundo. Editora Paz e Terra, l980, 3ª. Ed).

 Galeano! Esteja onde estiver, deve estar encantando seus companheiros de eternidade com sua prosa maravilhosa e, talvez, esteja descobrindo novos caminhos e inventando novas formas de descrever as belezas que encontrou em seu novo refúgio. Como fez enquanto esteve entre nós. O seu legado vai continuar encantando muitas gerações aqui na terra.  


quarta-feira, 11 de março de 2015

AS "JUSTIÇAS" BRASILEIRAS

 Que o Brasil é um país politicamente singular nenhum brasileiro tem dúvida. O que pode variar é a maneira como cada um argumenta para concordar com a afirmativa. Há justificativas para todos os gostos, desde a extrema esquerda até a extrema direita. Neste último caso estamos procurando quem assuma essa condição, embora se saiba que seus adeptos são numerosos. Ninguém quer ser direitista, no Brasil.

 Quis iniciar com a afirmativa acima para justificar que também reconheço a existência de peculiaridades “inexplicáveis” em todos os campos do relacionamento da comunidade com as lideranças responsáveis pela condução do País e, mais importante ainda, daqueles organismos que têm o compromisso de servir de elo de ligação confiável entre governo e sociedade, mais comumente designada como “mídia” (aportuguesando), seja ela falada, escrita ou televisionada e todas demais que tenham a faculdade de lidar, diretamente ou indiretamente, com as questões de opinião pública.

 Grosso modo poderia dizer-se que temos “três justiças” no Brasil, todas elas com suas causas e conseqüências inerentes à responsabilidade com que cada uma é aplicada ou faz produzir seus efeitos. A primeira, lógico, é a “justiça oficial” que, definida pela nossa Constituição é exercida através de seus inúmeros organismos estatais, obedecendo às regras estabelecidas em lei. De um  modo geral funciona razoavelmente bem não fora reconhecidamente lerda. Como toda iniciativa humana, comete suas falhas. Sobre ela, assim se referiu nosso mais ilustre sábio, Ruy Barbosa: “Justiça que tarda não é justiça”. Isso, talvez, tivesse servido para a época em que foi feita a declaração. É uma discussão para outro espaço.

 A segunda justiça é a da sociedade. Levados, às vezes, pelos mais estranhos motivos, os cidadãos, geralmente reunidos em um grupo ocasional, tomam a deliberação de decretar que determinada pessoa é culpada de um crime baseados apenas em pequenos indícios mesmo sem qualquer comprovação concreta. É o tipo de justiça que nos transforma em seres incapacitados de pensar racionalmente e pode ocasionar, inclusive, a prática da pena capital – até de forma bárbara -, como ocorreu recentemente (No Estado do Paraná, se não me falha a memória) e ocasionou a morte de uma pessoa por espancamento sob suspeita de um crime que, depois, foi concluído que não havia de fato cometido.

 A terceira justiça é a praticada pela mídia. Embora não venha implicar uma pena capital em sua ação, é a mais devastadora delas pelo número de pessoas que pode atingir com uma simples citação. Tão logo um crime é trazido ao conhecimento da opinião pública pelos responsáveis pela investigação, mesmo que ainda não exista qualquer decisão judicial os nossos comunicadores já escolhem a “quem” culpar. A partir daí já podem começar a atribuir uma infinidade de irregularidades que passam a manchetear em caixa alta em jornais ou até em especiais de TV. Se o denunciado é uma personalidade no meio político as suas mazelas passam a dominar o noticiário e os principais âncoras fazem citações quotidianas sob qualquer pretexto, reforçando sua “condenação”. Alguém poderia perguntar: “Mas, e se o denunciado for absolvido em todas as instâncias?”. A resposta vem da forma mais sem compromisso possível: “Bem, ele não é culpado, mas poderia ser, não é?  Desculpem a nossa falha...”

 Só para não deixar a afirmativa sem ao menos algum exemplo, basta rememorarmos casos que tiveram grande repercussão entre os muitos que já ocorreram nos mais diversos meios de comunicação. Quem não lembra dos episódios “Ministro Alceni Guerra”, e dos professores da “Escola de Base de Brasília”?. Todos “condenados” pela mídia e, depois, inocentados pela justiça oficial. E há, também, um que atingiu diretamente os gaúchos. Quem não sabe que um de nossos deputados federais foi lançado à execração pública e acabou perdendo seu mandato? Uma revista semanal de circulação nacional “confundiu” cem dólares com cem mil dólares e não quis voltar atrás porque as suas  revista já haviam sido impressas? Recentemente, a mesma revista teve um de seus diretores envolvido com o doleiro do caso Senador Demóstenes/Carlos Cachoeira, só que a única menção que ela fez sobre o fato foi a de que os duzentos contatos telefônicos feitos, pelo jornalista, com o doleiro eram por motivos “profissionais”.

 Na verdade, o objetivo principal deste artigo é lançar um alerta para o que está ocorrendo em relação à divulgação de diversos problemas que o País vem enfrentando, sejam eles econômicos ou políticos. A grande mídia oligopólica, a serviço da direita e da elite brasileira, está cerrando fileiras na busca de um impedimento da Presidenta e, para tanto, qualquer meio é válido para atingir seu objetivo. É necessário que cada brasileiro, antes de tomar qualquer posição, faça uma análise profunda da situação não se deixando levar pela massificação da idéia de que tudo no Brasil se tornou um caos. Não sou defensor incondicional de tudo o que o Governo vem fazendo. Acredito que há muitas falhas, mas não vou incorrer na leviandade de querer contribuir para a instalação de um quadro reacionário, a serviço de interesses que não são os  da população menos favorecida, mas, apenas, concorrerá para a manutenção de benesses seculares que uma parcela reduzida de privilegiados continua a desfrutar.


(Publicado no Jornal Fronteira Meridional em 11/03/15)

sexta-feira, 6 de março de 2015

(SETENTA...UFA!)


 (Hoje, quero pedir licença aos meus leitores, mesmo que poucos, para ter meus minutos de pieguice e sentimentalismo, ocupando o menor espaço de tempo  e papel).

 Dizer que o tempo passou depressa é uma expressão que já foi cantada em prosa e verso vezes sem conta e, portanto, quase  não quer dizer nada de significativo. Sempre achei que o tempo foi uma invenção de Deus para chatear os mortais já que ele, por ser eterno, não precisa preocupar-se  com esse problema. Sobrou para nós, então, administrar essa questão com todas as implicações que contém. Já tive preocupações com o inevitável, mas hoje consigo lidar melhor com essa incógnita do “depois”. Se ele existir, espero que tenha a minha disposição muitos livros (digitais ou de papel?) – de todos os conteúdos – porque a eternidade sem leitura deve ser um saco. De uma coisa tenho certeza: ainda há  muita coisa boa com que poderia me deleitar. Ainda nem consegui ler todos os clássicos que gostaria.

 O que deve/pode fazer alguém que chegou a esta idade? Talvez já não sejam muitas as opções. Vamos lá. Acho que uma delas e perguntar-se sobre o que fez com as chances e os privilégios que desfrutou. No meu caso, não quero lembrar nem para mim mesmo, agora que já entardece a vida, os momentos que deveriam ser, mas que deixei passar; os que posterguei (e acabei perdendo) e os que aproveitei e que frutificaram e trouxeram-me satisfação.

  Mas relembrar também é parte obrigatória do cenário do tempo. Para isso serve aquele escaninho importante do cérebro humano que tem a capacidade de recriar, trazendo o passado de volta sem compromisso com a exatidão dos fatos. É bom sentir, de novo, o sabor das primeiras vezes, mesmo que tenham um pouco de gosto de sal. Os primeiros sonhos; as primeiras surpresas; as primeiras decepções e as primeiras fantasias vão e voltam no redemoinho das emoções passageiras que nem sempre se consegue evitar. Nesse rol é inevitável incluir as cenas da infância no Cerro, com as pescarias em família ou o jogo de bola de gude no caminho da enfermaria; andando no trolei da pedreira (escondido do ronda, lógico), tomando banho nas “canteras” ou as peladas no campo da hidráulica, disputando rapadura. Mais tarde, o início do desconhecido: a primeira aula no Joaquim Caetano com a professora Nida, e a primeira colega que fazia a diferença. As matinês no Esperança, trocando gibis também foram uma marca importante no relacionamento com novos amigos e outras descobertas que depois passaram a fazer parte da minha cultura de guri, adolescente e adulto. O primeiro emprego no Laboratório do Prof. Martins e os outros que vieram depois, desde ser “guarda-livros” no Alvim Borges até o escritório do Roberto Ferreira. Daqui, para Porto Alegre quando se inicia uma nova fase. Completa mudança na vida e coragem para enfrentar a cidade grande com seus problemas e mistérios. Deste período, posso dizer que sempre – como até hoje - carreguei Jaguarão comigo. Guardei sempre com muito carinho todas as boas lembranças da minha “cidadezinha” que foram ficando cada vez mais distantes a medida em que o tempo passava. Certamente os encontros da Colônia Jaguarense contribuiram bastante para manter aquecido esse clima interiorano bem próprio de nossos conterrâneos.

 Penso que nada melhor para encerrar do que uma volta bem ao início, quando tudo começou, para rememorar o som da voz materna da mãe castelhana cantando “a-rô-rô mi niño; a-rô-rô mi sol; a-rô-rô pedazo de mi corazon...”

 

 (Acredito que isto é o máximo que este coração setentão e os leitores conseguem agüentar!).

 

 

 

 

 

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

AS GUERRAS DE TODOS NÓS


 Indiscutivelmente, o mundo, hoje, está mergulhado numa série de conflitos bélicos, localizados em suas mais diversas regiões e sob a alegação dos mais diversos motivos. Assim, morrem milhares de pessoas que acreditam estarem defendendo sua religião, sua cultura, seu território ou seu direito de expressão, entre outros. Todos eles sagrados, sem qualquer dúvida. A questão a ser debatida é a de saber se, realmente, os motivos que levam a tanta estupidez são legítimos ou se apenas correspondem à ganância narcísica de megalomaníacos ávidos de poder ou de dinheiro.

 Quem achar que não tem nada a ver com o que está ocorrendo, diariamente, em todo o mundo é ingênuo (ou desinformado) o bastante para não saber que a tão decantada “globalização” serve tanto para o negativo quanto para o positivo. Não quero entrar em juízo de valores para discutir qual das ditaduras está com a verdade. Se a ditadura do capital financeiro, incorporada, atualmente, pelo império estadunidense que quer dominar o mundo e, para atingir esse objetivo, não hesita em jogar bombas mortíferas sobre crianças e mulheres indefesas ou a ditadura do fanatismo, que mantém regimes, às vezes familiares e domésticos, com mão de ferro e tenta sobrepujar culturas distintas obrigadas a conviver  em territórios nos quais não possuem qualquer autonomia. Só para exemplificar, neste último caso, podemos lembrar dos curdos, dos palestinos, dos ciganos, que, atualmente, são os que mais tem sido mencionados pela mídia. Sabemos que todos esses conflitos – muitos deles provocados artificialmente - tem como principal causa a busca da hegemonia econômica de grupos para os quais a vida não vale mais do que maiores saldos em contas bancárias.

 E os ditos conflitos religiosos hoje tão presentes em nosso noticiário quotidiano? Bom, deuses bélicos não são novidades na história. “Meu Deus” (invoquei o meu) quantas ignomínias se concretizaram em teu nome ao longo do tempo! O problema, se eles existem mesmo, vai ser explicar-lhes porque tantos crimes precisaram ser praticados em seu nome! Aqui na terra, ainda não se conseguiu admitir a legitimação desses atos criminosos como vontade dos deuses atuais, sejam eles quais forem.

 Em torno desses conflitos, a indústria bélica vai acrescentando gordos dividendos a acionistas que se sustentam da morte, da miséria, da doença e da fome, em escala cada vez mais ampla. Mesmo que esse custo inclua até mesmo condenar seus próprios jovens a perderem a vida, inutilmente, tanto do lado de agressores quanto de agredidos. É quase desnecessário mencionar aqui a guerra do Vietnã e, recentemente, a ocupação de outros tantos territórios do Oriente Médio e - para citar o outro lado - a criminosa utilização de “crianças-bombas” em atentados que culminaram com a morte de várias pessoas.

 O poder, que é uma das invenções mais diabólicas exercidas pelo homem, também é um componente importante de uma guerra. Neste caso, é por demais evidente a disputa de força entre as lideranças responsáveis pelos genocídios que vem ocorrendo.

 Digo que estas são uma guerra de todos nós, não só porque sofremos, diariamente, direta ou indiretamente, suas conseqüências, como, também, porque cada um certamente terá sua opinião favorável ou contrária a uma das partes envolvidas mas, sobretudo, porque nós, brasileiros, habitamos um país que, potencialmente, detém, por exemplo, as maiores reservas de água doce do mundo e este produto poderá ser causa de

conflitos em um futuro não tão distante. Hoje, nosso “petróleo”, aparentemente, ainda não é motivo de cobiça, mas, no futuro, os preciosos mananciais hídricos localizados em nosso território poderão ser alvo de interesse de países que estejam carentes de água potável necessária a sua sobrevivência.


 Envolver-se com a guerra não é, apenas, assistir seus horrores na TV como se fossem os joguinhos eletrônicos tão curtidos pelos nossos jovens e não só por eles. Algumas pessoas no mundo inteiro (poucas, ainda, infelizmente) já entenderam que é necessário mostrar sua indignação com o que está ocorrendo, na esperança de que, um dia, os poderosos de plantão ouçam a voz dos que ainda defendem que um novo mundo é possível desde que os que acreditam nisso se manifestem.