domingo, 13 de julho de 2014

RELEMBRANÇAS

 Sempre que venho a Jaguarão e tenho tempo disponível, dou uma caminhada sem rumo pela cidade. Transito de preferência pelas ruas menos movimentadas, só ou bem acompanhado. Aproveito, nessas relembranças, para desafiar a saudade que, no túnel do tempo, me jogam ao passado e lá vão algumas décadas. Com isso retorno a alguns caminhos que pisei com os mesmos pés que tenho hoje, mas olhei com outros olhos - os de quem apenas começava a pensar em trilhar outras sendas deste mundão danado de grande para a cabeça de um guri de cidadezinha. Neste transitar pelo passado, vou recordando coisas que me trazem alegria ou mexem em cinzas do que não gostaria de lembrar.

 Mas não tinha intenção de falar de mim. Quero falar da cidade. Confesso que uso um truque contextual, digamos assim, para criar um clima de Jaguarão do passado. Em uma conversa, quando me refiro a algum local, falo como se tivesse voltado no tempo. Assim, explico algumas coisas: "Ali no centro, defronte à Farmácia Graciliano". Ou "perto da Miscelânea". Ou "bem pertinho da Confeitaria São José". Desse jeito, vou trazendo um pouco da história da cidade para rememoração daquilo que foi uma referência que todos conheciam.

 Em matéria de saudosismo e competência para transferir para a escrita a história do quotidiano da cidade, meu amigo José Alberto de Souza é a lembrança perfeita. Quem já leu qualquer de seus livros sabe do que estou falando. Quase a totalidade de sua obra conhecida, refere-se a sua vivência na cidade que leva no coração embora permaneça distante dela. Já disse no meu blogue que ele é "meu saudosista predileto" e meu parceiro de papos e reminiscências jaguarenses em longas tardes porto-alegrenses em torno de xícaras de cafezinho já vazias ou taças de bom vinho tinto.

 Há poucos dias, em um de meus passeios chamei a atenção de minha companheira para o fato de que Jaguarão é uma bela cidade com muitas coisas para mostrar aos visitantes, mas é uma cidade melancólica (De momento não encontro outro termo apropriado). Chegamos à conclusão que "a cidade das belas portas não abre suas janelas" como se as casas não fossem habitadas.

 Nessas minhas reminiscências e fantasias gosto de imaginar que, um dia. nossa cidade vai apresentar-se também cheia de cores, adornada das mais variadas flores e, então, nós e os nossos visitantes vamos ser cativados pela beleza natural que lhe estaremos proporcionando. No futuro, quero poder compará-la com Gramado. Falei desse meu sentimento com o Cléber Carvalho (um companheiro de muitas digressões de meus dias jaguarenses) mas ele não me acompanha nessa ideia. Entendo que a cidade serrana tem um pensamento coletivo mais aperfeiçoado do que o nosso, porém também tenho a esperança - quase uma convicção - de que essa fase de integração (por motivos vários) porquê passa Jaguarão deve conduzir-nos a uma mudança de comportamento. Isso nos há de trazer uma nova mentalidade que terá preocupações com a estética como forma de transmitir uma melhor acolhida aos que chegam aqui procurando nosssas características próprias.

 Eu passarei. Nós passaremos. Jaguarão permanecerá, acompanhando o tempo, mas guardando a nostalgia de uma antiga povoação com seus traços coloniais cheios de mensagens dos que aqui estiveram antes de nós. Nosso compromisso deve ser o de conservá-las para aqueles que vierem depois de nós.

Wenceslau Gonçalves - Jaguarão, junho/14
Publicado no Jornal Fronteira Meridional - 09.07.14)

quarta-feira, 2 de julho de 2014

GUERRILHA URBANA

 A batalha estava por iniciar. A ordem era limpar o terreno a qualquer custo. Primeiro chegaram os sapadores para observar a área. Repararam em tudo com olho clínico de quem tem longa experiência no assunto. Não eram muitos. Dois ou três que quase se confundiam com a sombra que projetavam alguns edifícios próximos. Vagaram por alguns minutos entre o pouco que restava a ser destruído e se foram. A conclusão era a de que não necessitariam de um efetivo militar muito grande. Por certo, já confabulavam entre si, arquitetando um infalível plano de ataque.

 No dia seguinte, chegaram os monstros de aço aos quais não se poderia oferecer resistência. Eram dois. Um era enorme e possuía duas grandes mandíbulas. Uma, com tridentada e ameaçadora garra comprida e de longo alcance e, outra, menor, que apenas lhe servia de cobertura. O outro monstro é apenas conivente. Comparando, ele é, apenas, um monstrinho. Chega ao local e se imobiliza. É dos que somente aguarda que o primeiro lhe entregue o produto da destruição e parte rápido para voltar logo depois. Ambos são barulhentos - produtos do mundo moderno - e enegrecidos pelo próprio fumo que expelem. E, assim, começa a batalha. O inimigo é cercado por todos os lados. Sua única defesa é o conhecimento do terreno. Nasceu e viveu há muito tempo ali. Ninguém, como ele, sabe de suas nuances e possibilidades. É, inutilmente, ajudado pela umidade e pelos sais minerais que seguram suas raízes entranhadas na terra. A sua cor verde já tem bastante do resquício da civilização que o circunda. Já pariu muitos frutos e acolheu muitos pássaros com seus membros fortes. No inverno, abrigou-os do frio; no verão, apaziguou-lhes o calor. Cumpria sua missão com galhardia. A resistência, no entanto, é inglória porque sua desvantagem é gritante: contra ele há todo o progresso de vinte séculos de civilização que não reconhece nenhum direito adquirido para resistir os obstáculos em sua caminhada.

 A batalha continua. Pouco a pouco, o terreno cede à ação dos monstros e deixa o inimigo só, sem seus aliados. Agora é sua vez de sucumbir. Estremece. Tremulam seus galhos e folhas. Cai o último ninho que ainda resistia e ela própria aspira seu último quinhão de oxigênio e cai prostrada na terra que, há pouco, ainda lhe transmitia a seiva vital para sua existência. É, apenas, mais uma árvore que tomba em uma grande metrópole. Não vai nem participar das estatísticas!

(Wenceslau Gonçalves/ Publicado no jornal Fronteira Meridional, de Jaguarão em 21.05.14)