segunda-feira, 29 de agosto de 2011

P A I N E L

ACULTURAMENTO - Sempre que tenho oportunidade, reclamo do "aculturamento" a que estamos submetidos - não só nós, brasileiros - pela força econômica da língua inglesa que, aos poucos, vai se introduzindo até em nosso linguajar quotidiano mais trivial. Chegamos ao ponto de não encontrarmos um equivalente em nosso idioma a algumas novidades que a mídia - já aculturada quase totalmente - nos impõe. Há alguns dias, em uma reunião de um grupo de jaguarenses acabamos discutindo sobre o tema e surgiu a dúvida para um termo equivalente apropriado em português a "pen-drive". Soube que o João Thomaz (um novo veterinário na praça) acabou tendo uma feliz inspiração para resolver a questão que ao menos serve para nós gaúchos: "carrapato". Legal, não acham? Ou alguém teria outra sugestão? Resolvi adotar até como contraponto ao que alguns "aculturados brasileiros" querem nos impor. Convido meus poucos leitores a divulgarem a idéia, se a aprovarem, é claro...

REVIVENDO - O sempre atento amigo e colaborador José Alberto de Souza (Poeta das águas doces), me chama atenção a propósito da nota "Revivendo", onde divulguei uma poesia do Pedro Jayme Bittencourt. Ele me confirma que o Pedro, assim como sua mãe (Profa. Delícia) e sua irmã (Teresa) são naturais de Santa Vitória do Palmar. Feita a retificação. Obrigado, companheiro!

MATANDO A SAUDADE - Estou na terrinha desde o dia 24, matando a saudade. Parece, as vezes, que o frio quer acabar comigo, mas eu resisto. Na minha mente repassam cenas do tempo que foi, em um retrocesso igualmente nostálgico e prazeroso. É como rever um filme da época do "matineé" de domingo à tarde, no velho teatro Esperança. Uma passada no café do "Bolha" ajuda a colocar-me em dia com as novidades e me proporciona a oportunidade de participar de debates acalorados sobre os mais variados temas. Os frequentadores do local têm os mais diferentes tipos de opinião, tornando-o  um exemplo de espaço democrático.  

sábado, 27 de agosto de 2011

R E V I V E N D O

 Lá pelos idos de 60, logo após o golpe de primeiro de abril, eu era, então, um jovem de 19 anos. Cheio de ideias e já com muitos dos sonhos que carreguei comigo ao longo da caminhada. Nessa época tive oportunidade de conhecer o arroio-grandense Pedro Jayme Bittencourt. Era filho de um talentoso jornalista - Guadil Bittencourt (uruguaio) e da professora Delícia Ramis Bittencourt (presumo que jaguarense). Por essas circunstâncias da vida, nunca mais tive contato e muito pouco soube sobre eles depois que me embretei na Capital.

 Militante político, sem ser filiado, era, sobretudo, um corajoso para o momento histórico escuro que começara a se desenvolver no País. Foi, também, um grande orador que sabia usar a palavra com maestria incomum, além de um inspirado poeta. Aliás, no que seguiu os passos de seus pais. Infelizmente pouco pude conhecer de sua obra e, dela, guardo, apenas, algumas poesias esparsas, extraídas de um pequeno opúsculo mimeografado que me caiu nas mãos naquela época. Entre elas, esta, à moda dos velhos tempos do romantismo:   

                                               Requiem (Pedro Jayme Bittencourt)

A tarde inclina pensativa a incerta
cabeleira de sol, no azul poente...
E nos meus olhos trêmulos desperta
a agonia da luz, piedosamente...

   A tarde vem debruçar-se, de repente,
   à janela escancarada, só, deserta:
   e eu acho extraordinário e surpreendente
   que a tarde caiba na janela aberta...

Mas ela vem - e a luz com ela -
na inquietude do sol que já não arde,
morrer junto a mim, sobre a janela...

   E num vibrante, derradeiro grito
   a alma do sol foge da tarde
   para os meus olhos trêmulos e aflitos...

domingo, 21 de agosto de 2011

O Q U I L E R O (II - final)

 A filha, uma mulata faceira e linda, cobiçada até por branco de importância, que fazia bonito em qualquer festa, havia sido o orgulho do casal. Acabou vindo mais cedo para o povo a convite de uma madrinha que vivia na cidade. Não demorou muito para que a moça criada na campanha caísse na conversa do primeiro namorado. Embarrigou, seduzida pelo malandro pelo qual se enrabixou, mas que não queria nada com o trabalho. Logo que a criança nasceu, o ajuntamento não durou muito e o neto foi morar com os avós. "Ela continua aí, na mão de um e de outro e vivendo a vida que não merece ser vivida", costumava dizer Nico, cheio de mágoa, quando perguntavam por ela. Hoje, pode ser encontrada em uma dessas pensões de mulheres da zona e atende pelo nome de guerra de Mima.

 De vez em quando ela aparece para ver o filho e leva um brinquedo ou alguma gulodice. No início, bem que a criança reclamava a presença da mãe, mas, com o tempo, acabou se acostumando àquelas visitas esporádicas. Agora já nem pergunta mais, apenas deixa-se acariciar, meio sem jeito, quando a mãe o chama para perto nas poucas oportunidades em que ela aparece em casa.

 O guri é o dengo dos velhos. Menino esperto de nascença. Mal tinha seis anos e já começara escrever algumas palavras. Hoje, com oito anos, frequentando o segundo ano primário, já chama a atenção dos avós quando eles falam alguma palavra muito errada. Esse menino, sim, vai ser a esperança da família. É capaz até de dar pra doutor um dia porque nunca haviam visto uma criança tão inteligente e educada. "Os modos, então, são de gente grande. Tem sempre a roupa limpinha e nunca se rebela quando não lhe fazem as vontades", diz dona Noca, com orgulho.

 Com a idade em que os velhos da cidade já estão em casa ganhando o salário mínimo do INPS, o seu Nico não sabe mais como ganhar a vida. Aqui não tem emprego para quem só sabe lidar com bicho do campo.

 Lá pelas tantas, quando já estavam acabando os pilas recebidos pela venda da vaca e do terneiro, seu Osvaldo do mercadinho deu-lhe a idéia. Ele mesmo precisava de alguém que fizesse aquele serviço, principalmente agora que o peso estava baixo e havia muita coisa barata do outro lado da ponte.

 Saiu dali pensando que nunca teria coragem de fazer aquele trabalho. "Nunca fui homem de andar no caminho errado. Sempre procurei ser respeitador das leis que os doutores fizeram. Eles estudaram tanto e sabem mais do que eu, que sou um pobre velho analfabeto". Chegou em casa e, enquanto dona Noca terminava de aprontar a janta, ele contou, entre um mate e outro, o que havia conversado com o bolicheiro. Ela achou que não estavam em condições de escolher o que fazer e estava começando a faltar comida. No dia seguinte, ele passou a ser mais um quilero  na Ponte Mauá.

 Em Rio Branco, graças às indicações do seu Osvaldo, ele procurou as pulperias onde pudesse encontrar as mercadorias mais baratas para revenda. Isto servia, também, para ele ir, aos poucos, arriscando a falar algumas palavras em castelhano que ia aprendendo no entra-e-sai do país hermano, todos os dias.

 Assim, durante muitos anos, enquanto teve forças seu Nico carregou em seus braços de velho a galleta, a graxa, a farinha e tantas outras coisas, dependendo do peso baixar ou subir de valor em relação ao cruzeiro. Nunca fora atacado por um guarda em qualquer das Aduanas, graça, talvez, ao seu aspecto de quem dependia daqueles poucos trocados que conseguia ganhar com aquele trabalho diário. Mais de de um mercadinho naquelas redondezas do Cerro eram abastecidos pelas mercadorias uruguaias trazidas pelo seu Nico.

 Por muito tempo aquele fora seu ganha-pão. Agora não podia mais ajudar a companheira que tinha quase a sua idade, com quem vivia há mais de cinquenta anos. A velha, além de fazer a lides da casa, ainda lavava roupa para fora, isso quando aparecia alguma madame interessada nesse trabalho porque agora as lavanderias faziam isso mais rapidamente.

 Mas, hoje, vai fazer o quê, se já não tem nem mesmo forças para carregar um saco de bolachas ou de graxa contrabandeados do Uruguay para os mercadinhos da redondeza, último recurso para tirar algum ganho para sustentar três pessoas nestes tempos difíceis?

 E agora, que não pode mais trabalhar, quem vai providenciar nas coisas pra dentro de casa? Como vão se alimentar e o menino como vai poder continuar estudando se não vai sobrar para comprar um lápis ou um caderno?

 Dona Noca é quem acaba tomando uma decisão. Chama o menino, entrega-lhe uma saqueta e lhe diz, com o rosto virado para o outro lado, para não denunciar os olhos molhados:

 "Filho, o vô Nico não pode mais trazer as mercadorias de Rio Branco. Agora tu é que vais fazer isso", e saiu para o pátio pela porta dos fundos.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

JAGUARENSE RECEBE COMENDA

 A Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Rio Grande do Sul outorgou a Comenda Oswaldo Vergara a dezenove advogados do Estado, que se destacam por sua atuação profissional com ética. Entre os homenageados, encontra-se o nosso conterrâneo Eduardo Alvares de Souza Soares, conhecido também por sua dedicação ao estudo e divulgação da história da cidade, através de várias obras já editadas.

A cerimônia de entrega da mais alta distinção da OAB-RS foi realizada em sessão magna, com a presença de várias autoridades, e ocorreu em 11 de agosto último em Porto Alegre, por ocasião das comemorações do Dia do Advogado. Mais um jaguarense que se destaca no mundo jurídico levando consigo o nome da cidade. Cumprimentos do "letrista" deste modesto blog!

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O QUILERO (I)

 O rio Jaguarão corria tranquilo no mas, no sentido da Mirim, como sempre fizera desde o princípio do mundo. As barrrancas do lado uruguaio estavam a mostra e se podia vê-las de longe pela altura e pela cor da terra preta que se destacava no verde do mato de eucalipto. Nesta época do ano, perto do Natal, a pouca água que o rio recebia não dava para preencher bem o seu leito largo atravessado pela Ponte Mauá.

 De vez em quando, uma canoa areieira aportava no cais em frente à Capitania dos Portos para deixar carga. Barqueiros de lombo brilhando de suor mostravam esforço para palear a areia para cima porque o rio baixo exigia mais força para levantar a pá carregada. Dois homens se revezavam no esvaziamento do barco e compunham um estranho ritual de trabalho, quase um bailado sincronizado, nessa tarefa.

 O sol era de um brilho intenso. Só a necessidade para fazer um vivente sair à rua com um calorão daqueles. Quem não podia ir até a Lagoa, procurava alívio na prainha do lado castelhano, perto da Aduana.

 No Cerro da Pólvora, na parte mais alta da cidade, bem longe dessa margem onde a vida corre um pouco mais devagar, um rancho daqueles de antigamente difere da paisagem das casas de material em volta. É o lugar mais pobre daquela zona. O rancho é um misto de pedra e barro, sem reboco, com remendos de lata de azeite desmanchadas e janelas sem vidraça. O único enfeite da paisagem é uma casuarina e alguns transparentes também já velhos. Ao lado, um limoeiro encascurrado ainda produz alguns frutos pequenos. Um cusco tão feio quanto magro completa o quadro de abandono que a miséria plantou no local.

 Lá dentro, na cozinha enfumaçada, uma negra velha usou a última cevadura para fazer o mate daquele final de manhã. No fogão a lenha, um feijão duro ferve numa panela de ferro e é a única opção para o almoço.

 O velho Nico, olhos meio fechados pela fumaça da cozinha, ainda tem pendurado nos lábios um cigarro apagado. É o último e ele quer fazer durar até que não seja mais possível chupá-lo de tão babado. Suas forças que, no passado, foram tão admiradas por todos os patrões que teve, estão abandonando aquele corpo de quase oito décadas. Maltratado pelo duro trabalho no campo de sol a sol, sem inverno nem verão que o fizesse parar, vai, aos poucos, se entregando. Muito a contragosto por não-fazer-nada, já não tem mais ânimo para continuar lutando.

  Nenhum um dos dois é de muita fala. São mais de fazerem pequenos comentários sobre coisas do dia a dia, mas hoje estiveram longo tempo à beira do fogão onde, de vez em quando jogavam um toco de chilca que crepitava espargindo centelhas. Murmuravam quase, pequenas frases em voz baixa, avaliando o ponto em que a situação havia chegado. Não há mais a quem recorrer e, assim, se nada acontecesse, teriam que viver da caridade pública.

 Ele rememora os velhos tempos de peão campeiro. Vaqueano como ninguém para qualquer lida de campo. Boa mão para doma e castração, foi requisitado por muitos coronéis da região. Quando o último patrão viu que ele não prestava mais para o serviço, dera-lhe uma vaca com cria; um sofá-cama velho que estivera atirado no galpão e ainda se oferecera para levar suas coisas para a cidade. Com isto, Nico se sentiu recompensado por todo aquele tempo que trabalhara para ele. Ficou com muita lástima de sair daquela estância onde passara grande parte de sua vida. A vaca com terneiro ainda conseguiu manter por um tempo no fundo do quintal, indo longe para buscar pasto para alimentá-la. Tomava leite fresquinho, lembrando as madrugadas em que se levantava para ir ao curral para ordenhar as vacas das casas. Depois de vender os animais, ainda conseguiu guardar alguns trocados por um tempo, numa caderneta de poupança da Caixa.

 O rancho fora levantado com a ajuda da mulher e de um cunhado que também lhe havia indicado o lugar que poderia ser ocupado sem pagar nada. Eram apenas duas pequenas peças mais a casinha de madeira no fundo do lote que fazia as vezes de banheiro. (continua)

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

P A I N E L

GANGUES - Nessa polêmica sobre a letra do rap criticando o aumento dos deputados estaduais, que foi aprovado pela Assembléia no ano passado, tenho uma posição aparentemente confusa. Sabe, fico pensando que o pior nisso é que as pessoas, de um modo geral, acabam admitindo que nossos representantes não merecem defesa. Mesmo que isso signifique que sejamos uns estúpidos votando em cidadãos que, eventualmente, podem ser inquinados de quadrilheiros (no pior sentido) sem que seus eleitores manifestem qualquer reação em defendê-los. Aliás, parece que nem os próprios citados se preocuparam com a questão. O meu candidato não foi eleito mas eu tenho absoluta confiança de que não tentei eleger nenhum quadrilheiro, embora ele não seja perfeito. O autor alega que não ofendeu ninguém. Bom...então aquilo é um elogio aos parlamentares? Estou aberto a discussões, mas não vale dizer que quem quer discutir o assunto é a favor da censura.   

E O SONEGÔMETRO? - Os empresários criaram o Impostômetro. Uma boa, não é? Assim podemos acompanhar o quanto este País arrecada de impostos, frutos de todas as atividades que os seus habitantes desenvolvem. O que se deve fazer é a discussão sobre como se está aplicando esse volume de recursos. Ela está sendo bem feita ou não? A opinião pública precisa participar coletivamente dos instrumentos que propiciem o controle dessas aplicações, sem que haja privilégios para categorias. Os famosos "incentivos fiscais" são uma forma de privilegiar empresas que, normalmente, possuem condições financeiras para prover seus próprios investimentos. Outra grande questão é a sonegação que, de acordo com a cultura geral, corresponde a um índice igual ao que é arrecadado (Para cada real arrecadado, um é sonegado). Não se deve esquecer que a elite brasileira conseguiu acabar com a CPMF, que era uma forma inteligente de estabelecer um controle sobre rendas nem sempre declaradas adequadamente. Por isso, estou sugerindo ao empresariado que, ao lado do Impostômetro, se instale, também, um SONEGÔMETRO.

EDUCAÇÃO - Sobre o recente debate a respeito das condições salariais do magistério e do avalia-não-avalia, que se vem travando no Estado, tenho uma posição - reconheço - bem simplista. Enquanto uma SOCIEDADE, como a nossa, permitir que um educador receba por seu trabalho um valor menor do que recebe um lixeiro para desempenhar sua função, não haverá nada que possa estabelecer qualquer "concertação". Ainda se estivéssemos em uma sociedade socialista, mas vivemos no mais autêntico capitalismo periférico...Só após enfrentado e resolvido esse problema, então as partes interessadas podem sentar para chegar a uma decisão benéfica para todos.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

P A I N E L

CAPITALISMO - Novamente o capitalismo está fazendo água e justamente no lugar em que tem seu representante mais genuino - os Estados Unidos. Lembram quando ocorreu a desintegração da União Soviética? A mídia "neutra" deitou e rolou propagando o fim do socialismo, como se aquele regime representasse o verdadeiro socialismo. Agora, pela segunda vez neste século, que o capitalismo treme em suas bases mais sólidas não há nenhuma menção na imprensa livre nacional colocando em questão um sistema que pode ruir, deixando o mundo todo a sofrer as consequências.

"MEDO, MUITO MEDO" - Guardei esta expressão dos noticiários da semana passada, pronunciada por um morador da Província de Fukushima/Japão, sobre a situação daquela  área que volta a apresentar altos índices de radiação, com seus efeitos negativos principalmente sobre o desenvolvimento das crianças. Quantas vezes os ambientalistas se rebelaram contra essa espécie de energia nociva, alertando para possíveis consequências nefastas? Por enquanto é lá no Japão. E quando chegar mais próximo de nós, será que vão continuar pensando que os "ecochatos" são contra o progresso?

PARA ESPAIRECER - Não quero também parecer tão amargo neste espaço. Vou trazer um momento mais descontraído porquê passei recentemente. Em minha estada em Portugal, durante os meses de abril e maio, em uma das vezes em que usei um táxi em Lisboa, tive que pagar "um mico" para um português. Que eles não são de muita conversa a gente sabe, mas numa dessas, aproveitando que um daqueles profissionais aceitou o bate-papo do brasileiro, acabei falando que, naquele dia, era feriado no Brasil (21 de abril). "E por que é feriado?", perguntou ele. Eu respondi de pronto: "Nós comemoramos o dia de Tiradentes". Depois de alguns segundos de hesitação, ele me olhou, intrigado e lascou: "Pois. E por que vocês fazem feriado no dia de um tiradentes?"...Bom, aí vocês imaginem a minha cara, até explicar a história toda.